Paul’s Boutique, 30

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A mudança foi profunda. A banda se transformou e o hip hop sente seus efeitos até hoje. “Paul’s Boutique”, segundo álbum dos Beastie Boys, completa 30 anos neste 25 de julho de 2019 e seu impacto é ainda um fenômeno a ser estudado. É esta obra que eleva o trio nova-iorquino a um patamar respeitável na genealogia do rap – afinal, o trabalho de estreia, “Licensed To Ill” (1986), não era muito mais que uma inspirada zoeira de grande sucesso comercial.

Na discoteca básica do rap, é merecidamente compreendido como um divisor de águas pela minúcia na construção de bases a partir de infinitos samples (desde riffs de guitarra dos Beatles até linhas de baixo de Curtis Mayfield, de um refrão dos Ramones a obscuridades do country norte-americano, de partes inteiras surrupiadas do jazz-funk até trechos vocais dos primórdios do hip hop) e a comunhão perfeita dessa cama instrumental com o estilo vocal dos três MC’s. É comum ver o disco em listas de melhores de todos os tempos e ser tratado como “‘Sargent Pepper’s’ do hip hop”. Tudo é muito discutível e sempre será. Não se pode negar, no entanto, que é um dos trabalhos que melhor exemplifica o potencial da cultura da sampledelia: “Paul’s Boutique” contabiliza nada menos do que 105 samples, 24 deles espremidos genialmente na última faixa, “B-Boy Bouillabaisse”.

A dupla responsável por esse corte e costura instrumental atende pelo nome de Dust Brothers. A intenção dos produtores californianos E.Z. Mike e King Gizmo era lançar uma mixtape sem vocais. Quando ouviram o material, os rappers Mike D, MCA e AD Rock perceberam que aquela colcha de retalhos serviria perfeitamente para aquecer suas rimas. O resto é história. Dali em diante, o trio nova-iorquino enfileirou uma sequência de álbuns que vai além do rap: “Check Your Head” (1992), “Ill Comunication” (1994) e “Hello Nasty” (1998) resgatam os instrumentos que tocavam nos tempos de hardcore na primeira metade dos anos 80 e surpreendem com temas instrumentais com o frescor do soul-jazz dos anos 60. Estes quatro discos lançados no intervalo de dez anos representam uma das discografias mais consistentes e influentes da música do período.

No Brasil, muita gente que tinha 20 anos na década de 90 adotou os Beastie Boys não só como banda preferida – mas também como uma referência para compreender e expandir o próprio gosto musical. Toda uma geração percebeu que fazia sentido ouvir rap, jazz, música brasileira, soul, reggae e punk rock, tudo ao mesmo tempo. E os samples usados nos discos da banda, sobretudo em “Paul’s Boutique”, indicavam alguns sons a serem descobertos no garimpo em sebos. “Os Beastie Boys são um divisor de águas, tem essa coisa de antes e depois de escutar eles”, diz a cantora Lurdez da Luz. “Eles me ajudaram a entender que a gente podia fazer rap do nosso jeito e que não existem fronteiras no hip hop. ‘Paul’s Boutique’ é o meu disco preferido deles e foi muito importante pra mim”.

A banda Nação Zumbi também reconhece a influência do trio nova-iorquino. “‘Paul’s Boutique’ é um disco essencial pra mim e pra todos os caras da NZ. Sempre foi uma unanimidade, principalmente nos anos que a gente morava junto. Era parte da discoteca diária dos nossos momentos de coletividade”, observa o guitarrista Lúcio Maia. “Foi um disco que não fez sucesso comercial porque era, obviamente, à frente do tempo. Ao longo dos anos, foi sendo absorvido e teve seu merecido reconhecimento. Com ‘Licensed to Ill’, eles alcançaram 4 milhões de cópias vendidas e entraram pro Guinness. O ‘Paul’s Boutique’ foi o avesso: um disco financeiramente fracassado, porém uma obra-prima. É um disco atemporal e uma referência pelo jeito que foi construído – de criar música nova a partir de música já gravada.”

Hoje é dia de celebrar essa obra. Som na caixa!

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