É Funmilayo!
A arte reage. O Dia da Consciência Negra, em 2019, anuncia o surgimento da banda Funmilayo Afrobeat Orquestra, que lança seu primeiro single, “Negração”, em ação da Casa Escuta as Minas, do Spotify. A potência da mensagem embutida nessa notícia é cheia de significados. Primeiro: é a primeira banda de afrobeat do mundo formada só por mulheres negras. Segundo: presta homenagem à nigeriana Funmilayo Ransome Kuti, mãe de Fela, pioneira no feminismo na África. Sua trajetória, ignorada pelo ocidente branco, precisa ser conhecida. Professora e ativista dos direitos da mulheres, ela liderou, em 1949, um protesto contra os impostos abusivos, que atingiam brutalmente as trabalhadoras do mercado na cidade de Abeokuta, o que resultou na renúncia do então rei do país; fez campanha pelo direito a voto das mulheres nigerianas; fundou associações que defendiam os direitos femininos; foi a primeira mulher a dirigir um carro na Nigéria; foi assassinada pelo regime militar, em 1978, ao ser arremessada de uma janela durante uma das invasões na República Kalakuta, residência do rebelde Fela. Terceiro: o som é foda!
A faixa “Negração” mostra que a banda ainda vai dar o que falar. A letra da saxofonista e cantora Stela Nesrine é um grito de raiva contra a opressão às mulheres negras, com lembrança ao legado de Marielle Franco: “a cada grito de ódio que mente, vai ecoar Marielle presente”. O arranjo avança na cadência de uma marcha de revolta popular. Um berimbau na introdução tempera a receita nigeriana com um ingrediente brasileiro. A bateria quebra a batida à moda de Tony Allen. Guitarras, teclados, percussão e baixo em transe servem ao ritmo. Metais atacam em riffs e solos com a malemolência e precisão dos golpes de capoeira. Tudo se entrelaça para criar uma unidade de força e beleza e preparar o ouvinte para a conclusão do discurso: “tirem seus rosários dos nossos ovários / nosso corpo é território livre / nossa mente descolonizou / mirei no seu peito e você nem viu / mais ligeira que bala de fuzil / é a semente que brota do amor / é Funmilayo!”. É pra dançar, chorar, protestar, resistir e sempre se lembrar das palavras de Angela Davis: “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. Salve, Funmilayo Afrobeat Orquestra!