“Batidas, Rimas e Vida”
Documentário de Michael Rapaport sobre a A Tribe Called Quest tem 4 exibições na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e dimensiona a importância da banda para o rap, no começo dos anos 90
Existe um paralelo entre o que os anos 60 representaram para o rock and roll e o significado do começo dos anos 90 para o rap. Já havia passado mais de uma década do surgimento de ambos os gêneros musicais, novas fronteiras seriam exploradas e era palpável a sensação de que as possibilidades criativas eram infinitas. De uma certa forma, o paralelo se mantém até o final: é o ocaso do “sonho”, o término de uma certa inocência e a afirmação como mainstream de uma cultura previamente marginal ou underground. Por esse aspecto, “Batidas, rimas e vida: as viagens de A Tribe Called Quest” é um filme repleto de nostalgia do começo ao fim.
A Tribe é a banda que melhor representa a trajetória do rap nos anos 90. O paralelo com o rock sessentista é ainda mais evidente no visual e nas letras. O grupo foi o mais próximo que o rap chegou de ser hippie, um sopro de criatividade numa época dominada pelo discurso duro do gangsta rap da costa oeste. Por tabela, junto com bandas como De La Soul e Jungle Brothers, com as quais formava o coletivo Native Tongues, ainda tornou o berço do hip hop (Nova Iorque), relevante novamente naquele cenário. Daí o aspecto nostálgico: na época, ouvir e gostar da Tribe era uma atitude. Sem sombra de dúvida é uma das bandas mais queridas e influentes daquele período do rap.
Não é por acaso que o diretor do documentário é o ator Michael Rapaport. Estreante no comando de um longa, Rapaport não consegue esconder o fascínio de fã em relação à banda. Quem compartilha do sentimento com o ator fica vidrado na narrativa: se arrepia toda vez que vê imagens de arquivo dos primeiros shows da banda ou mesmo das turnês que reuniram os integrantes em 2008 e 2010. Existe um brilho no olho de cada entrevistado quando lembra da primeira vez que ouviu certo disco ou faixa da Tribe ou relembra quando conheceu a banda. Até os próprios integrantes falam com muito carinho da própria trajetória, do que os uniu, da evolução pessoal de cada um artisticamente, especialmente a de Phife Dawg como MC.
Evidentemente, a narrativa chega ao fim da banda, em 1998. É então que o roteiro toma um caminho curioso e inesperado. O que se mostrava como um documentário no formato tradicional vira quase um reality show. O filme fica muito pessoal e invade a vida do grupo fora do rap: as disputas de ego entre Q-Tip e Phife, a diabetes deste último, a saída de Jarobi para o ramo dos restaurantes. A intimidade que a câmera de Rapaport consegue captar é fascinante para o fã da banda. O diretor consegue até filmar uma briga no camarim entre os dois MCs que quase encerra prematuramente a primeira turnê de retorno da Tribe. As motivações são estúpidas disputas de ego, comuns em qualquer grupo de amigos, mas que, nesse caso, interromperam a trajetória bem sucedida da banda mais importante daquela geração.
O filme tem a habilidade de revelar não só a genialidade de cada integrante e os elementos que se encaixaram para formar uma química perfeita: o longa vai fundo e escancara as crises absolutamente ordinárias, as imperfeições comuns ao caráter de cada um. Chega ao ponto da frase mais interessante do filme inteiro vir de Dave, um dos MCs do De La Soul que diz “preferir que a Tribe não se junte novamente se for para ficarem com essas briguinhas idiotas”. Isso reflete o valor e o carinho que os próprios contemporâneos tem pelo que a Tribe realizou. Para o fã, é quase um alívio saber que era até melhor que acabasse. A própria volta da banda hoje é apenas baseada em nostalgia, não tem nada novo que eles se proponham a produzir (vale salientar que a banda se dispôs a retornar às turnês por causa da delicada situação financeira de Phife, devido a sua doença, o MC passou até por um transplante de rim por causa de diabetes).
O documentário é um testemunho completo de uma banda que mudou a cara do rap nos anos 90. Situa a influência da Tribe na música que se faz hoje. Permite ainda perceber como aquilo representou o fim de uma era, como o hip hop seria diferente dali pra frente, uma música que não pertenceria mais a um público específico. Só uma pergunta fica em aberto: o que diabos Jarobi fazia na banda afinal? Q-Tip ainda chega a dizer que Jarobi é a Tribe encarnada. Intrigante. Esta aí um mistério que não se esclarece para este fã.
(Por Filipe Luna)
“Batidas, Rimas e Vida: Viagens de A Tribe Called Quest”, Michael Rapaport
25/10/2011
18h00 – Centro Cultural São Paulo
Rua Vergueiro, 1000, Liberdade / CEP: 01504-000 / TEL: 3397-4002.
26/10/2011
14h00 – RESERVA CULTURAL
* Sala 1
Avenida Paulista, 900, Térreo Baixo, Bela Vista / CEP: 01310-100 / TEL: 3287-7858.
28/10/2011
15h50 – ESPAÇO UNIBANCO AUGUSTA
* Sala 3
Rua Augusta, 1475, Cerqueira César / CEP: 01305-100 / TEL.: 3288-6780.
02/11/2011
18h40 – CINE LIVRARIA CULTURA – Conjunto Nacional
* Sala 2
Av. Paulista, 2073, Cerqueira César / CEP: 01411-000 / TEL: 3285-3696.
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